O perigo vicioso da generalização
Imagine que, numa cirurgia, um determinado médico comete um erro, e isto faz com que o paciente venha a falecer. Outro médico prescreve uma medicação errada, e seu paciente morre. Depois disso, não é incomum ouvirmos: “Deus me livre de ir ao médico, não quero morrer”. Desse modo, todos os médicos são tachados de “assassinos”, desconsiderando-se os milhares de pessoas cujas vidas foram salvas pela intervenção oportuna de inúmeros médicos competentes e “salvadores”.
Imagine também que alguém está de passagem por uma cidade e vê um bêbado na calçada. Dali a pouco, vê outro bêbado caído. Então deduz: “Nessa cidade só tem bêbado!” Ao continuar na estrada a comportados 60 quilômetros por hora, um carro passa veloz: Zuuum! Outro carro faz o mesmo: Zuuum. Daí comenta: “Os motoristas daqui são “velozes e furiosos”, uns irresponsáveis”. Alguém ouve o noticiário a respeito de alguns poucos atos de violência numa determinada cidade, e conclui: “Jamais irei a essa cidade, é violenta demais”.
Um líder religioso comete um pecado de imoralidade, e a todos os outros são imputadas a mesma pecha de “imorais, tarados” etc. Um político é pego em corrupção, logo todos os políticos são tachados de desonestos e indignos de confiança. Dizer que as loiras são burras, ou que os advogados são espertalhões, ou que os evangélicos são antiquados, são formas de generalização que não são outra coisa senão mera expressão de preconceito. Da mesma forma se estabelecem os preconceitos contra minorias – negros, judeus, nordestinos etc. Um ou dois contatos pessoais desagradáveis são transformados na condenação de todo o grupo social.
Isso tudo é resultado da capacidade de generalização comum. Só que isso pode se transformar em um grande perigo, exatamente por estabelecer preconceitos devastadores e balizar comportamentos de exclusão e indiferença, além de em nada ajudar a vivermos melhor. Antes, pelo contrário, pode minar a nossa confiança na vida, nos grupos sociais “diferentes” e, por extensão, em toda a sociedade.
Generalizar é tornar geral, tornar comum, vulgarizar. Ao fazer generalizações, estamos tornando comum a muitos indivíduos algo que diz respeito apenas a um ou a poucos. Há o ditado clássico de que “uma andorinha só não faz verão”. Pelo mesmo motivo, um ou dois exemplos não bastam para estabelecer uma generalização defensável.
Este tipo de raciocínio é muito comum e antigo. Aristóteles denominou-o “raciocínio pelo exemplo” (ou poucos exemplos) e deu-lhe lugar de destaque entre os enganos que induzem os incautos a falsas conclusões. Os romanos chamavam-no de “secundum quid”. Em suma, consiste em não contar todas as andorinhas e ir logo anunciando que é verão.
Por exemplo, durante uma discussão sobre bebida e longevidade, alguém fala de um parente que bebe desde a adolescência e está vivo, saudável e com 90 anos. A partir daí monta-se um corolário simplista que conjuga bebida alcoólica e longevidade como parceiras. Uma canção brasileira ilustra bem isso: “Eu bebo sim, estou vivendo; tem gente que não bebe, está morrendo”. Discussões baseadas em raciocínios dessa espécie podem prosseguir indefinidamente sem levar a nenhuma conclusão plausível.
A questão é: um exemplo típico prova uma suposta verdade ou apenas a ilustra? Pergunta-se então: até que ponto a miséria, os conflitos e as perseguições existentes no mundo, hoje, não derivam desse malfazejo vício da generalização?
Algumas generalizações são meras extrapolações. Pegam-se poucos dados, faz-se um gráfico, traça-se uma curva que os una e continua-se para além dos dados. Uma pessoa incauta, ao seguir essa curva, pode perder-se para sempre num preconceito sideral.
Tomemos o exemplo do que tem ocorrido costumeiramente no cenário político nacional. A impressão que se tem, ao ouvir certas pessoas, é que o Congresso Nacional está tomado por bandidos do colarinho branco. Isto porque está mais comum ouvirmos a respeito de quebra de decoro parlamentar e problemas com desvios de dinheiro público. Ouve-se a respeito de um servidor público corrupto, então o julgamento é que “no governo só tem ladrão”.
De fato, é preciso separar as coisas. Uma única andorinha não faz verão, mas é necessário saber contar as andorinhas. A verdade maior é que a imprensa tem divulgado alguns casos reais de corrupção e a sociedade tem se posicionado para puni-los, não o contrário.
Estou pessoalmente convencido de que o Brasil tem jeito, de que há homens sérios no cenário político nacional, assim também como estou certo de que há corrupção e muitos problemas a serem enfrentados e vencidos, especialmente agora pela assepsia cívica levada a efeito pela Operação Lava-Jato. Mas daí a julgar, generalizando que está tudo errado, que ninguém presta, apenas por causa de alguns exemplos, é uma temeridade que beira a ignorância. E tal ignorância está fadada a repetir os mesmos erros na hora de escolher, através do voto, os nossos “políticos” representantes.
Jesus ensinou: “Não julgueis segundo a aparência, e, sim, pela reta justiça” (João 7.24). Por isso, devemos aprender a fazer um raciocínio seguro. Julgar retamente depende de dados em número suficiente para uma generalização racional e, em um estágio ulterior, de novos fatos para verificá-la. Só assim a mente humana pode adquirir conhecimentos úteis e julgar com retidão.
Se assim procedermos, talvez possamos nos alegrar de que nem tudo está perdido, que ainda existem pessoas de bem, que o mal pode ser vencido e que não nos esforçamos inutilmente para tornar a vida melhor e mais densa de sentido.
Pastor Samuel Câmara – líder da Assembleia de Deus em Belém