Vencida pelos desejos, liberta pelo Caminho
Quantos livros são lidos pela vida afora? Ficções, novelas, arte, biografias, filosofia, e tantos outros devorados por muitos, sem jamais se deterem nas Escrituras Sagradas. Por quê? Qual a razão do desinteresse, da falta de motivação, do descompromisso e da total alienação com referência aos assuntos sagrados? Infelizmente, esse desleixo humano está presente na grande maioria das pessoas, do mesmo modo que a insatisfação com a vida.
Os cristãos afirmamos ter a chave para questões da alma: angústias, preocupações, desespero, falta de propósito e de soluções para os problemas existenciais do ser humano. Declaramos que a Bíblia é a palavra de Deus e que somente Jesus Cristo, o Mestre e Senhor absoluto de nossas vidas, tem a capacidade de libertar o oprimido, resgatá-lo de sua situação, mesmo a mais impossível, transformá-lo completamente, regenerá-lo e salvá-lo das trevas espirituais, onde se encontra em estado de dependência, submissão e imersão.
Frequentemente ouvimos frases como: ”eu não acho que isso seja pecado”, ou “pra mim isso não é pecado”. Vivemos numa sociedade materialista e permissiva, onde os ensinamentos bíblicos são considerados retrógrados. Persiste a ideia de impingir “normalidade” aos atos condenados pela Bíblia.
A preocupação atual é de se “acomodar as coisas”. Contudo, forçar uma atitude “politicamente correta” à Igreja, mesmo que seja frontalmente oposta aos ensinamentos das Escrituras, é uma das artimanhas infernais mais prejudiciais à jornada espiritual.
Ignorar a lei não justifica o erro, nem tampouco exime de culpa. Muitos pecam por desconhecer a Palavra de Deus; outros, por se recusarem a conhecê-la; e, alguns por tentarem acomoda-la às suas interpretações pessoais. Insistem no anacronismo bíblico, recorrendo à necessidade de se contextualizar os ensinamentos em favor de comportamentos explicitamente contrários às determinações bíblicas.
Há os que intentam conseguir a salvação de suas almas por conta própria. Lançam mão das mais diversas religiões, filosofias e proposições, definindo por si próprios o que acreditam ser “pecado”.
Questões de ordem sociológica e ética da modernidade podem ser aplicadas ao material bíblico, sugerindo novas possibilidades de significado e provendo uma maneira de afirmar a aplicabilidade do resultado às discussões contemporâneas. Porém, a Bíblia deve ser lida com expectativa de respostas para problemas da opressão humana; e, a interpretação bíblica deverá coincidir com a tendência característica do Evangelho.
A teologia cristã verdadeira deve, antes de tudo, validar a autenticidade da mensagem, e isso significa estar de acordo com a revelação de Deus em Jesus Cristo, devidamente corroborada pelas Escrituras. Uma interpretação válida começa na experiência viva de ouvir com fé, à medida que a Palavra de Deus é lida e ensinada, bem como de uma conduta obediente guiada pela Palavra.
Quando estudava os onze primeiros versículos do capítulo 8 do evangelho segundo João, vieram-me à mente impressões de minha chegada ao oriente médio, onde vivi por sete anos. Na época, chamou-me à atenção a vestimenta feminina de sair à rua: somente um dos olhos podia ser visto através de um pequeno orifício, resultante da dobradura do “barakan”, um tecido branco que cobria da cabeça aos pés.
Logo percebi que a mulher ocupava um lugar secundário na sociedade local. Totalmente submissa ao marido, seu casamento era previamente arranjado pelo pai. Fuga por amor, ou adultério, era passível de pena de morte – uma punição aceitável pela comunidade e defendida pelas famílias, para servir de exemplo.
Se tamanho rigor persiste em alguns países na atualidade, não é menor nosso espanto ao lermos na Bíblia o relato a respeito da mulher adúltera, flagrada em pleno ato de traição conjugal, há dois mil anos. Levada à presença de Jesus por escribas e fariseus, ávidos por uma execução sumária invocavam sentença de morte à pedrada, para fazer cumprir a Lei de Moisés.
O desfecho é bem conhecido: bateram em retirada envergonhados em face à frase desafiadora do Mestre: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire a pedra” (Jo 8.7). Há quem possa se admirar que, apesar de pertencer a uma cultura totalmente hostil ao comportamento adúltero, após ouvir da mulher que seus acusadores haviam se dispersado, o Senhor Jesus lhe diz com candura: “Nem eu tampouco te condeno” (Jo 8.11).
É fato que uma análise mais apurada dessa narrativa nos revela alguns aspectos interessantes. O episódio assume as características de uma armadilha dos doutores da Lei para prejudicar Jesus. Qualquer uma das duas respostas que eles esperavam do Mestre o deixaria em maus lençóis. Se lhes dissesse para deixar a mulher em paz seria acusado de impostor, por não obedecer a Lei de Moisés; ou, se autorizasse o apedrejamento seria denunciado aos romanos, ocupantes e senhores da Palestina, os únicos com autoridade para condenar alguém à morte.
De igual modo, a má fé dos acusadores torna-se evidente na encenação tendenciosa daquela situação. De acordo com a Lei mosaica, em caso de adultério o homem e a mulher deveriam morrer (cf. Lv 20.10; Dt 22.22). Do relato se depreende que, apesar do flagrante, somente a mulher aparece.
Esse deslize nos permite imaginar que os acusadores haviam adulterado com ela, e agora buscavam uma oportunidade para se livrar de quem sabia demais; na linguagem de hoje, seria uma “queima de arquivo”. Também, queriam se livrar de Jesus, pois constantemente sentiam-se constrangidos pelas palavras de verdade que o Senhor proferia sobre eles.
Segundo as Escrituras, a alma humana se comporta como a mulher adúltera. Sem poder escapar do círculo vicioso do pecado, pouco pode fazer para resolver sua situação insólita, entregando-se a seus impulsos carnais, indiferente às consequências. Sente-se segura com os que compactuam de sua fraqueza; vive a falsa segurança de chafurdar na lama pecaminosa em que vive com outros de igual interesse. Até o momento quando lhe são expostas as entranhas do erro e vê sua vida esvaindo-se em segundos.
Perante a verdade, a alma humana se sente despida de qualquer alternativa, a não ser a punição mais dura. Sua ignomínia, transmudada em acusação, persegue-lhe os dias e rouba a paz. Contudo, a vontade de se libertar, sempre vencida pelos desejos, só pode ser percebida por Deus.
Em sua infinita misericórdia, o SENHOR busca e nos traz à sua presença, às vezes pelas mãos de nossos próprios acusadores, pelos nossos próprios erros, pela nossa própria dor. Perante Ele, reconhecemos Sua voz e atendemos à Sua chamada, num sussurro apercebido somente pelo espírito. Então, entregamos-lhe o coração e nos rendemos completamente a Ele, com irresistível talante de obedecer fielmente à sua vontade.
A princípio esta leitura poderá parecer acidental, um acontecimento de caráter imprevisível com relação às causas que o determinam. A Bíblia nos revela que no universo nada acontece sem a permissão do Criador. O momento presente se reveste de significado especial por ser um encontro pessoal, singular e revelador. Nestes poucos instantes, o diálogo interior e silencioso da leitura se apresenta como oportunidade para reflexão, análise e desafio ao nosso estado espiritual.
Iludem-se os que julgam existir vários caminhos que levam a Deus, ou que todas as religiões são boas. Existe somente um caminho e uma religião; a Bíblia explicita com firmeza: todos os outros caminhos levam à danação eterna e todas as outras religiões são engodos.
Mas, como saber, se existem tantos outros oferecendo solução e satisfação espiritual, reclamando após si o privilégio de ser verdadeiro para conseguir a salvação da alma? Vivendo entre os homens Jesus Cristo não veio na qualidade de Juiz. Portanto, jamais poderia condenar aquela mulher. Seu propósito era, e ainda é, de salvação (Jo 3.17). Somente Ele pode dizer: “Eu sou o caminho e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14:6).
Esse é o momento mais importante da existência humana: aperceber-se da presença de Cristo pela fé, ouvir sua voz suave, que não condena, e obedecer ao seu mandado. Jesus, enxerga com nitidez a alma humana despedaçada em seus pecados. Tal como olhou para a mulher adúltera, conhecendo nela o desejo íntimo de se libertar e o reconhecimento da incapacidade de fazê-lo, ainda hoje Ele diz:
“Nem eu tampouco te condeno; vai, e não peques mais!” (Jo 8.11).
Rev. Enoch S. Nascimento